Somos
uma grande estante,
de uma parede inteira,
com compartimentos realmente muito
visíveis aos olhos da sociedade,
com aquela imensa prateleira profissional,
onde alguns tentam chegar ainda.
Realizados mesmo “com o trabalho” ou com parte
dele pelo menos.
Conseguimos galgar degraus que nossa mente jamais pensou subir...
É
preciso considerar que nessa estante existem portas entreabertas
onde alguns
olhos já espiaram
e descobriram parte da alegria que obtivemos vivendo bem,
felizes, sorrindo, cantarolando, dançando,
livres "em tese" para ir e vir,
para
tomar decisões e arcar com as consequências que elas inevitavelmente trariam...
E
ainda e mais que tudo,
é importante ressaltar que “a maioria das estantes
humanas”
têm gavetas bem fechadas,
com chave e segredo onde somente os eleitos
têm acesso
e entrada franca...
E
uma dessas gavetas da minha vida se abriu uns dias atrás,
como se tivesse sido
arrombada por um imenso temporal
de pensamentos que destelhou,
arrasou,
entortou as bases
e retorceu minha consciência
e a convicção de que eu cresci
e
deixei para trás as esquisitices,
as pilhações da juventude...
Esse furacão foi
denominado por alguns cientistas e estudiosos como AVC...
E
a solidão encheu minha taça e transbordou...
Um amigo estava doente...
E não
era um amigo comum...
Era ele o dono de uma gaveta inteira,
o senhor de tantas
lembranças,
um dos mestres na arte de arrumar confusão
e festejar a vida...
E
então...
E o tempo voltou para trás...
Era
tudo juventude, eram risos incontroláveis...
Eram
almas indomáveis mesmo...
Era
tudo alegria...
Festa...
Animação...
“Todos” vivos...
VIVOS...
Completamente
embriagados por seus pensamentos loucos...
Eu
não tenho nem idéia,
eu nem me lembro como foi que a gente se encontrou,
eu
acho que uma amiga minha conheceu um amigo,
e cada um deles tinha uma turma
e
um dia não sei o porquê essas duas “turmas” se encontraram
e tudo começou...
E
ali a amizade imperou magistral...
Aquela
inclinação mútua pela brincadeira de viver...
Ser
feliz num fusca sem banco, sem chave...
Num
carrão luxuoso ou numa moto potente e veloz...
Ser
feliz tendo dinheiro para um bom restaurante,
Ou
sem dinheiro, ir à cabana comer risoto e jogar conversa fora...
Dormir
amontoado em pleno inverno, sem televisão...
A
distração era o olhar de cada um...
As
piadas de nós mesmos...
O
domingo
a tarde se aproximava
e todo mundo já tinha esquematizado como é que seria,
com quem ia,
quem trazia pra casa,
onde a festa...
AH,
que mentira!
Eu
vou ter que chamar a minha atenção!
A
gente nunca planejou nada...
Fazíamos o que dava na cabeça...
Vou
contar realmente como aconteceu,
aí quem sabe numa dessas,
você conheça o lugar
ou as personagens da história,
então terá liberdade para nos perguntar os
detalhes
e enriquecer as lembranças...
Quando
nossa galera se encontrou,
“os deuses do Olímpo fizeram uma reunião de
emergência...
ISSO JAMAIS DEVERIA TER ACONTECIDO!”
Tanto
que o projeto era nos mandar pro mesmo planeta,
porém nos separar de tal forma
que nunca iríamos nos reconhecer...
ZEUS
decretou:
Esse
será um peixe, pois gosta de estar “molhado” sempre...
Aquele
será um cachorro porque gosta de atenção,
é amigo de verdade,
mesmo sendo
chutado,
acaricia,
resmunga
e ganha um olhar de carinho...
Uma
delas será uma gata,
é desconfiada,
carente,
gordinha,
meio preguiçosa,
tem
garras afiadinhas,
mas é em geral pacífica...
Esses
dois irmãos,
serão águias velozes e audazes,
sairão livres,
voarão sem medo...
Aquele
miúdo encrenqueiro será um macaco,
porque pula,
grita,
dança,
ri,
sapateia
e
pensa,
pensa muito...
Esta
aqui será uma lebre,
tem um lado tão carinhoso
e outro tão ligeiro...
Essa
baixinha aqui será uma cobra,
é lisa,
ardilosa,
vai devagarinho
e dá o bote
tão certeiro,
engana aqui e ali
e conquista...
Pa! Sempre tem desculpa pra
tudo...
Ah...
Você será uma girafa!
Alta...
Cheia de pose...
Estava
tudo acertado, seriam todos separados pela água,
terra e ar, então o Olímpo
descansaria
e teria tempo para tratar de outros tantos assuntos
que competem
aos deuses e teriam um “tempinho” até para descansar...
Quem sabe?
No
entanto, Dionísio,
“BACO”
o deus da festa e do vinho,
"BES" o bobo dos deuses,
deus da alegria e do prazer,
"MOMO" que representava a zombaria e o sarcasmo
e é
um deus morto que conforme a mitologia por ter sido
expulso do Olímpo para ser
na Terra o rei dos loucos,
"AFROFITE" a deusa do amor
e da beleza e
"NIX" que era a personificação da noite,
fizeram uma
brincadeirinha.
E numa reunião secreta,
resolveram que ZEUS não sossegaria
assim a troco de nada,
que o planeta terra não seria o mesmo sem esses personagens tão ilustres,
e
que eles deveriam ser pessoas!
Então assim o fizeram e para não fugir tanto a
vontade do
“poderoso chefão”
separaram as cidades para onde iriam,
cidades
pequenas,
onde querendo ou não o “cara” tem que se comportar,
e deram-lhes ainda
pais suaves e delicados com as palavras
e severos, muito severos com a educação
de seus filhos,
todavia esses progenitores deveriam acreditar também na
liberdade
e na responsabilidade da vida...
Ah! Quanta satisfação ser humano
e poder falar,
andar, ser criança, sorrir, pular, subir em árvores,
fazer “arte”,
no sentido
literal da palavra,
ser adolescente
e foi aí que tudo começou outra vez...
Nós éramos muito, muito jovens mesmo
e nos
encontramos
e as idéias se entrelaçaram,
(não sabemos como e não nos
lembrávamos de toda aquela confusão com aquele pessoal grego).
Morávamos em cidades vizinhas e pela festa TUDO,
tinha sempre carona,
tinha sempre desculpa para os pais
e eles acreditavam na gente,
não nas mentiras,
em nós como pessoas e no que haviam ensinado.
A minha mãe sempre foi uma pessoa do certo,
nos
defendia com unhas e dentes
e nos dava ao mesmo tempo liberdade para crescer
e
conhecer a vida, ela nos deu muitos motivos para sonhar e sorrir,
o meu pai foi
muito diferente dos outros pais,
nos matava com as palavras e nos mostrava
assim,
a cada dia, o que não queriamos pra nós,
nos acariciava, nos amava
estranhamente,
e as chicotadas de palavras que levei me deixaram cicatrizes,
mas eu era muito forte e cara de pau,
nada abalava a minha vontade de viver,
ver os meus amigos e me sentir acima de tudo
“eu mesma”
ser humano livre...
Na nossa galera não rolava drogas,
nem sexo
desenfreado,
não como as galeras de hoje!
Rolava o agito da pele, a
s músicas da boate
pequena e colorida de rostos das duas cidadezinhas,
rolava briga, ciúmes.
Tinha aquela turma dos Homens com H maiúsculo,
os
conquistadores “os bão da boca”,
e as mulheres “as gostosonas” corpinho,
glamur...
Havia todo tipo de gente, cada um no seu quadrado,
querendo curtir.
E o nosso grupinho...
E nós, que bebíamos muito,
pulávamos mais ainda...
Andávamos num bando (5-6-7 pessoas) inseparáveis,
topávamos quase tudo sempre...
Dois deles eram loucos de pedra.
Se resolviam,
subiam na moto, iam até o fim do mundo,
lembravam que não tinham dinheiro e tinham
fome e sede,
refaziam o caminho pra casa.
Dois outros (irmãos) eu perdi o contato,
sei que
foram felizes dentro do que se considera felicidade com momentos bons,
mais ou menos, péssimos e horríveis,
assim como você, eu e todo o planeta...
As
meninas continuaram na sua cidade de origem,
foram, voltaram, cresceram,
casaram, tiveram filhos, separaram...
Sei lá...
Tem uma que eu nem vi mais,
assim como os garotos...
Mas
em particular, cá pra nós, de toda essa anarquia, distância, solidão,
desencontro
e ponto,
sobraram resquícios de uma amizade sólida,
edificada com mãos fortes
que sabem exatamente onde chegar
e o que fazer, como disse o meu amigo do AVC,
“estamos juntos, não de corpo presente,
a alma está atada com nós cegos e fixos
que ninguém pode desatar numa vida.”
E
destas décadas de 80 / 90,
sobraram esmeraldas, rubis e todo tipo de
preciosidades de lembranças
e de histórias que você jamais ouviu
ou pensou
existir
e que escritor algum inspirou-se em escrever,
nem mesmo a ficção mais
detalhada e divertida,
o filme de ação mais envolvente
ou o romance que ganhou
o Oscar pôde apresentar...
Nós
fomos muito felizes em nos encontrar...
As
meninas, fruto de uma liberdade responsável
e inteiramente entregues a magia de
viver...
Os meninos heróis da jovialidade com beijos mágicos a distribuir,
com
passos barulhentos a dar...
Era dança na rua, no olhar, nos ouvidos a nos
embriagar...
Lá
na rua, na danceteria , no entrevero, no vuco-vuco,
a gente se olhou,
se viu,
se abraçou,
se curtiu,
e riu muito...
Nem percebeu que algo poderia acontecer,
assim...
Éramos imunes ao amor, éramos rocha, amasso, beijo, e só...
Não
acreditamos um no outro,
nós éramos muito bobos pra pensar no amor
exatamente...
Dias,
semanas, meses daquela paixão sem eira nem beira, o coração a mil...
E
nossas mãos distanciaram-se devagar, indo, querendo não ir, mágoas,
desencontro, outro amor pra ele, e em câmera lenta despedaçaram-se os momentos
que nós criamos.
E
o tempo se fez imperador da saudade e do silêncio,
Zeus deve ter descoberto a
trapaça daqueles 5 ou 6 deuses da teimosia
e da irreverência e deve ter mexido
os pauzinhos pra nos afastar a todos assim abruptamente...
Anos
se passaram,
era outra vida,
festamos muito com outras turmas,
novos amigos e
inimigos,
eu continuava meio sem juízo e pelo que sei os outros também,
eu sei
apenas que se eu morresse hoje,
que Deus me livre,
ia até feliz,
porque eu sei
bem o que é viver!
Como
eu disse,
outras vidas,
outras bocas,
outras conversas
e círculos de amizade
que nos fortaleceram
ou que nos derrubaram,
(a gente tem uma história dentro da
outra e coisas simultâneas e o bem e o mal da vida vai sendo tecido por nós
mesmos ou pelo destino ou sei lá por quem).
Eu
e Ele nos encontramos por acaso,
não uma nem duas vezes,
várias vezes o mundo
foi girando de maneira tal
que estávamos de repente
frente a frente
e o coração
a galope queria correr ao encontro...
Não
sei dizer como foi que o tempo fortaleceu,
nós dois,
já que sempre acreditei
que ele,
o tempo,
nos faz esquecer
e passar como um trator por cima das coisas
que nos apavoram
e nos maltratam,
mas dessa vez o tempo foi contraditório,
me
fez amar ainda mais aquele ser inalcançável que ele havia se tornado...
Sabe
aqueles animais que de longe Zeus tinha preparado para sermos nessa vida?
Era
a cobra e o macaco!
Que tinham “virado gente” de verdade!
Conquistadores
de espaço, de boa aparência,
inteligentes a ponto de serem felizes,
aparentemente com a tranqüilidade da vida adulta,
os seus compromissos,
as suas
responsabilidades,
a sua capacidade para trabalhar
e ter idéias
e
reinventar-se...
E
o macaco louco,
sorriso inteiro, gritos e assobios,
transformou-se, num homem
de verdade:
gentil, interessantíssimo,
um cavalheiro que guarda é claro os
resquícios de um grande farrista...
E
nessa metamorfose apareceu e perfumou minh`alma...
Adoçou
a minha vida em sonhos de uma valsa eterna...
Erradicou
a solidão das minhas noites...
E
esse romance de primeiríssima qualidade fez de nós dois reféns
de um amor do
passado,
querendo aflorar no presente
e sem perspectivas para o futuro...
Essa
cumplicidade nos faz felizes...
Relembramos,
remexemos no passado como quem
abre um baú de especiarias finas,
falamos dos amigos e do que poderá acontecer
conosco...
Precisamos apenas nos enxergar, trocar palavras e carícias,
nos
aconchegar um no outro,
acreditar que estamos vivos para além do que os outros
vêem
ou pensam que sabem...
mais do que nós mesmos...
No
entanto,
Zeus colocou em nós todos daquela galera,
uma repulsa pelos cabrestos
que a vida nos impõe,
não fomos feitos uns para os outros,
fomos feitos para o
mundo...
Estamos
rodeados pela multidão,
sentimos falta um do outro,
mas não nos aproximamos.
Acho
que o meu amor é apertado demais
e já o machuquei por isso,
não sei nem se você
voltará a me procurar um dia
ou eu por ventura procurarei você.
Nossa sede
jamais será saciada completamente.
Somos carentes e assim ficaremos para
sempre...
Nossos
companheiros, não sei, seguem suas vidas...
O
meu amigo do AVC me fez refletir.
Acreditávamos na imortalidade
e que seriamos
jovens para sempre
e munidos dessa esperança desafiamos a vida muitas vezes,
hoje,
estamos silenciosos,
os deuses não mais nos percebem como ameaça,
mesmo
porque não mais existiram ou existirão,
jovens como nós,
eles hoje nutrem
outras expectativas.
E
aos nossos filhos eu desejo uma pequena porcentagem,
dessa nossa alegria de
viver,
que eles encarem seus desejos,
suas emoções,
sua vontade de adrenalina
e
sejam responsáveis por isso tudo.
Um
brinde aos deuses,
por nos terem colocado aqui na terra e nos deixado “viver”
essas aventuras todas.
Um
brinde aos altos e baixos da alma
e ao preenchimento total de nossos corações
com os amores,
os filhos,
a família
e as lembranças.
Nós
fomos muito felizes em nos encontrar com toda certeza...